O livre mercado sob a perspectiva anarquista



Na doutrina liberal, a economia de livre mercado é normalmente definida como um modelo de mercado com mínima intervenção do governo. Claro que o “mínimo” aqui varia, pois nível de intervenção para, por exemplo, o liberalismo do século XIX não é exatamente o mesmo para as correntes posteriores. E com o surgimento de novas escolas liberais essa questão ganhou mais outros significados. Vejamos o ultraliberalismo, corrente esta que defende a completa privatização das funções do estado.
Segundo o pensamento ultraliberal, um livre mercado genuíno é um arranjo econômico baseado inteiramente na economia de mercado, isto é, todas as transações executadas por intermédio do laissez-faire, sem qualquer intervenção estatal. Desse modo, diz-se que nenhum tipo de intervenção na economia pode ser considerada como parte de um livre mercado de fato. Mas vamos analisar essas questões de um outro ponto de vista.

Dentre as diversas teorias econômicas anti-capitalistas, sobretudo daquelas pró-mercado, as definições liberais geram algumas contradições. Vejamos o anarquismo, mais precisamente da corrente clássica, do filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon, que era favorável aos mercados. Sim, favorável desde que contasse com instituições e arranjos comerciais para um funcionamento distinto do modelo capitalista apregoado pelo liberalismo. O que nos leva a concluir que o anarquismo nunca fez coro com o liberalismo.
Embora favorável a uma economia de mercado sem políticas forçadas, Proudhon também era favorável a políticas econômicas intervencionistas. Isso porque o intervencionismo, que nada mais é que uma forma de governança, necessariamente não precisa estar ligado a uma entidade que monopoliza e centraliza o poder como é o caso do intervencionismo estatal. Esta era a visão do filósofo francês.

Indo além, a concepção de “Banco do povo" descrito por Proudhon, que nada mais é que uma cooperativa de crédito, dever-se-ia ter uma governança em nível local com políticas econômicas postas em prática por todos de uma comunidade por participação popular, e não puramente pelos mercados. Vale ressaltar que Proudhon sempre foi cético à ideia absoluta do laissez-faire e por isso sua economia anarquista, embora agindo inteiramente livre de qualquer ação forçada, não se encaixa nas idéias liberais. Ora, não precisa ser nenhum gênio para perceber que nos mercados nem sempre a oferta reflete verdadeiramente a vontade de um indivíduo, mas de uma média dos quereres de vários indivíduos (às vezes nem isso). Na verdade, isso é o mais comum de ocorrer dado o modelo de produção em larga escala do sistema capitalista. Quer dizer, um arranjo que pouco respeita a autonomia de escolha das pessoas. Daí que o anarquismo abre espaço para outros modelos econômicos além do mercado. Ao invés da lei da oferta e demanda agindo de maneira absoluta, governança popular atuando de maneira livre, descentralizada e democrática em cada comunidade e federação.

O cerne do pensamento anarquista baseia-se em algum tipo programa político de governança coletiva, porém buscando respeitar a vontade de cada pessoa e ser executado pelo povo e para o povo. Se livre mercado for simplesmente sinônimo de um arranjo econômico mercadológico atuando em livre escolha mas também aberto a funcionar por bases anti-capitalistas, então existe espaço para esse modelo no anarquismo descrito por Proudhon. Contudo, se livre mercado estiver inerentemente ligado a fatores como a negação de uma governança livre e/ ou, principalmente, na consagração de instituições que permitam a existência de terras absenteístas e rentistas, estruturas que produzam grande acúmulo de capital e, como consequência, sua concentração, isto é, a base do sistema capitalista sustentada pelo liberalismo, então a proposta anarquista não somente é incompatível com um livre mercado como também se coloca em oposição.

De um modo geral, o anarquismo nunca se atrelou firmemente em apoio a economia de mercado, mesmo de viés anti-capitalista. O grosso do movimento libertário sempre foi muito hostil a tal modelo. Dentro da história moderna é sabido que sempre que houve políticas que deixassem os mercados agirem com maior ou menor grau de liberdade resultava em grupos privilegiados perante as classes sociais mais debilitadas.

Comentários

  1. Se eu não poder ter uma arma e dar tiro em quem invadir minha propriedade ou vender e comprar trabalho, não é anarquia

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    1. Se a propriedade que você diz ser sua for usada para si mesmo, então terá todo o apoio de defesa coletiva de uma comunidade anarquista como sua auto-defesa reconhecida.
      Mas se a propriedade for usada por outra pessoa e você apenas recebendo rendimento desse uso alheio, então uma comunidade anarquista não te daria apoio coletivo de defesa, não te forneceria armas e muitos menos reconheceria este espaço terreno como sendo seu. Você estaria, de fato, sozinho nisso.

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    2. Hahahaha! Essa comunidade anarquista venderia e compraria do rapaz proprietário sim, e todos ficariam mais satisfeitos ao final!

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  2. Estudem Escola Austríaca! Nenhuma outra escola de pensamento estudou tanto como funcionaria um arranjo social livre de coerção. E ela está fazendo, inclusive, mais anarquistas do que os pensadores clássicos.
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Austr%C3%ADaca
    Recomendo o livro "A escola austríaca", de Jesus Huerta de Soto.

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