Fora do jogo (MGTOW)
Nos círculos
subterrâneos da internet lusófona surgiu um fenômeno que parece ter começado a
dar a cara na superfície. Ainda em locais alternativos e de maneira tímida mas
já aparente. Esse fenômeno é o MGTOW, sigla em inglês que significa Men
Going Their Own Way. Que em português significa “Homens seguindo seu
próprio caminho”. O fenômeno MGTOW surgiu nos Estados Unidos em meados da
década de 2000 e vem se alastrando mundo afora. Já é noticiado no mundo
anglófono e vem crescendo em toda a América latina e Europa.
Basicamente esta
comunidade, sobretudo virtual, de homens heterossexuais se pauta em três
princípios: não se casar, não se coabitar e não ter filhos (algumas vezes
aconselham nem namorar e só manter contactos mínimos em locais públicos). Em
outras palavras, não manter qualquer relação com mulheres que acabe por
constituir um relacionamento duradouro.
Parece radical,
certo? E é, porém de um radicalismo muito diferente. Seus adeptos não apoiam
agressividade nem isolamento social não obstante encorajam viver de maneira
silenciosa, quase anônima. É complementamente diferente de tudo que tenha
aparecido nos últimos anos.
Mas o que é MGTOW?
Antes de explicar o
que é o fenômeno MGTOW, antes de tudo, creio ser mais fácil dizendo o que
não é. MGTOW não é um movimento. Não há pauta política. Não existe
grupos formalizados, líderes ou sequer espaço físico alocado que caracteriza um
ponto de reunião próprio. Não há idealização de mundo bem como ação coletiva,
seja de transformação ou reação. Também não é anti-mulher, anti-família ou
anti-religião. Não visa isolamento e nem conflito social. O MGTOW não tem uma
causa própria.
Então o que é?
Há adeptos que dizem
ser uma filosofia, outros um estilo de vida. Contudo me parece mais uma tática. Uma tática de auto-preservação
surgida de homens para homens diante das modernas leis de proteção da mulher e
da família. Basicamente MGTOW é uma forma de manter a própria integridade do
homem diante do sistema legal que, na visão dos adeptos, corrompeu a
organicidade de toda relação envolvendo homem e mulher.
Esta tática surgiu de
forma espontânea após anos de experiência de homens estadunidenses terem
passado por graves problemas financeiros, físicos e psicológicos em
relacionamentos conjugais. Sobretudo quando envolvidos em divórcio.
Com leis cada vez
mais rígidas, ameaças e pressões de mulheres fizeram surgir nos EUA e Europa,
no final da década de 1970, grupos de apoio aos direitos
dos homens. Esses grupos (que também continham mulheres) buscavam denunciar que
algo ruim estava acontecendo na sociedade, que havia homens que estavam sendo
prejudicados. Porém ignorados pela sociedade e visto pela mídia de maneira até
caricata, alguns homens de fora dos movimentos e que observavam estes episódios
começaram a trocar idéias destas experiências através de fóruns na internet.
Seus problemas como dificuldades em se recolocar no mercado de trabalho, encargos
legais, depressão, perda de bens, entre outros, acabaram por unir outros homens
que tinham semelhantes dificuldades. Ao qual surgiu o fenômeno.
Por isso é importante
salientar que um MGTOW não é um incel
(involuntary celibacy), que em português significa celibato involuntário, isto é, jovens
americanos de classe média, geralmente brancos, que não conseguem atrair
relacionamento com mulheres devido a questões de baixo auto-estima, isolamento
social, e outros fatores. Também não pode ser confundido com um “solteirão”,
aquele personagem de homem bon vivant que vive a vida de prazeres
hedonistas. Muito menos ser posto ao lado dos homens
herbívoros japoneses, fenômeno este surgido devido a mudança sócio-econômica do
Japão pós-Segunda Guerra. MGTOW surge de uma decisão individual de homens,
geralmente adultos e que tiveram experiência em relacionamentos anteriores, que
estão insatisfeitos com o custo x benefício da vida a dois. Deste modo MGTOW
não é sobre problemas de como se começar um relacionamento com mulheres, mas de
conviver com eles devido fatores legais.
Quem são, onde vivem?
É difícil saber com
exatidão quem são e quantos são porque seus adeptos se reúnem, aparentemente,
apenas virtualmente. Soma-se o fato de que os adeptos desta tática aconselham
outros a nunca se rotular como tal para prevenir retaliações no trabalho, no
local em que vive ou na própria família. Contudo, de acordo com as discussões
podemos sim encontrar certas nuances.
Seus encontros
ocorrem em fóruns como os chans e canais no Youtube. Seus adeptos dizem, em sua
maioria, professar uma visão política mais à direita com uns mais liberais e
outros mais conservadores. No entanto não é raro encontrar quem se defina em
algum espectro das esquerdas.
Segundo seus relatos,
há desde adolescentes de 14, 16 anos à homens na casa dos seus 50 e 60 anos. E
pesquisando, encontra-se homens com fotos em avatares de diferentes etnias bem
como se pode ver em canais, mas só quando estes se mostram (ou falam, no caso
dos EUA).
As ideias
Há inúmeros discursos
críticos ao movimento feminista (principalmente dos movimentos de segunda e
terceira onda), um favorecimento ao modo de vida patriarcal reinante até o
século 19 e de uma supremacia masculina. Mas isso não reflete a opinião de
todos. Há quem defenda a visão de autonomia legal e de independência financeira
da mulher, bem como do papel complementar que ambos os sexos têm enquanto casal
e família na sociedade.
Há quem apoie
relacionamentos amorosos com mulheres desde que somente em nível de namoro,
outros apenas relacionamentos casuais (com ou sem prostitutas) ou aqueles que
buscam uma vida voluntariamente celibatária sem ao menos fazer uso da
masturbação. Há quem procure um vida de auto-conhecimento e elevação espiritual
e também quem procure um estilo de vida hedonista. Ou seja, é um caldeirão de
ideias discordantes. No que concordam está o desequilíbrio legal de direitos e
deveres entre ambos os sexos.
Grupos MGTOW discutem
muito questões envolvendo psicologia evolutiva, economia, direito, sociologia,
biologia, moral, ética e outras disciplinas. Buscam debater ideias e gerar
prospecções futuras da sociedade. Muito embora tendem a soar generalistas, analisando
ambientes macro e sem muito apreço às especificidades.
Algo muito comum
também encontrado é os relatos de experiência de vida de homens mais velhos aos
quais os mais jovens acabam por ouvir: comportamento feminino, questões legais
e vida conjugal estão muito presentes. Percebe-se que os mais jovens respeitam
muito estes conselhos e os tomam como lições aprendidas. Há sempre ideias
motivadoras, de superação envolvendo saúde financeira, auto-conhecimento, vida
saudável e outras mais como forma de melhorar o indivíduo na sociedade. No
final, estes grupos se assemelham muito a grupos de terapia.
O que esperar?
Numa época em que casamentos
são desfeitos a qualquer momento, de crises econômicas constantes e de valores
morais duvidosos, o MGTOW surge como um fenômeno de como se
auto-preservar e manter uma vida digna. Uma vez que a figura masculina tradicional recebe
duras críticas, tendo seu papel dito
algumas vezes como obsoleto, estes homens acharam que lutar por algum espaço onde suas vozes possam
ser ouvidas não teve e não terá qualquer sucesso e preferiram sair de cena para
viver em paz. Como eles mesmo gostam de dizer, sair do jogo. Como dito
anteriormente, análise dos adeptos do custo x benefício para compor uma família
é vista como desfavorável ao homem. Ignorados pela esquerda, visto com desprezo
pela direita, estes homens vão seguindo seus próprios caminhos da melhor
maneira que lhes convém.
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