Uma nota sobre a secessão escocesa


Acompanhando um dos assuntos mais comentados nas últimas semanas, o referendo britânico sobre separação escocesa, lembrei de dois pensadores que prezo muito. O primeiro é o economista francês Frédéric Bastiat e o outro é o filósofo alemão Max Stirner. O primeiro entendia que o estado era uma ficção, uma entidade que se fazia real mas que, de fato, não existia de forma personificada e própria senão pelas ações de seus cidadãos. Aliás, ações estas não muito convidativas. Já o segundo elaborou todo um tratado que colocava abaixo todo tipo de “fantasma” que viesse a se apresentar como uma espécie de entidade concreta. Percebi semelhanças no discurso de ambos neste contexto em específico que me fizeram questionar um pouco a respeito desse referendo.

Assim, tenho visto uma certa euforia pela secessão escocesa nos meios libertários com boa parte fazendo uma ligação disso com uma “luta pela liberdade”. Chegando até a evocar, numa versão menos folclórica e mais hollywoodiana, a figura de William Wallace. Ora, essa suposta luta pela liberdade é uma busca sem sentido, por que o que é a liberdade senão o estado de ausência, de estar livre de algo? A liberdade de um pode ser muito bem a fonte de dominação do outro. Por exemplo, Maria pode estar livre do alistamento militar mediante a obrigatoriedade de José, de acordo com as leis brasileiras. A primeira possui liberdade, porém sacrificando a do outro. Quem pode dizer que Maria não tem sua liberdade referente a obrigatoriedade militar?
A verdadeira busca não vem pela liberdade, mas pela autonomia, o estado de independência. E a autonomia só pode ser conduzida pelo próprio indivíduo tomando posse de sua vida, não por concessão de outras pessoas ou instituições. Ela se faz presente através da propriedade do eu, do próprio ser. Autonomia não tem nada a ver com liberdade, mas com controle, e controle vem por se apropriar de algo. Esse controle de si é o que se denomina de auto-propriedade.
Percebendo que é inútil buscar qualquer tipo de liberdade, vemos que a secessão política nunca foi e nem será um mecanismo para o empoderamento da autonomia do indivíduo. Simplesmente porque ela não aumenta a percepção de controle que um indivíduo possui da própria vida, ou seja, do próprio raio de ação que ele tem de si com o mundo exterior. Separar regiões, comunidades ou países não garante que cada um terá realmente controle dos próprios atos. A secessão liberta a instituição estado de outras instituições, mas não a pessoa em si, uma vez que a auto-propriedade é pessoal e mediante o controle que alguém tem de si mesmo.
Não se tem garantias de que os escoceses serão realmente mais autônomos através da separação com o Reino Unido porque a libertação é para o estado escocês, e não para os indivíduos escoceses. O que poderá vir a ocorrer no caso da separação é que a população escocesa não mais responderá pelos seus atos ao governo britânico, mas ao governo escocês.
Vejamos. Quando Dom Pedro I declarou a independência da colônia brasileira referente ao estado português, não foram os indivíduos que viviam na colônia que se tornaram independentes. Em outras palavras, os índios continuaram sendo assassinados, os negros continuaram sendo escravizados e os brancos pobres sendo explorados. Em suma, foi o estado brasileiro em formação quem tinha adquirido sua libertação do governo português e não a população que aqui vivia.
Eu acho muito interessante políticas que visam secessão por diversos fatores. Há um bom tempo que eu venho sendo favorável à separação do País basco sob o domínio do estado espanhol. No entanto, tal política não tem nada a ver com a autonomia (e muito menos com liberdade) da população basca. E eu tenho total consciência disso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não Elena Landau, privatização não faz parte do livre-mercado

Oito horas da manhã

A visão estreita do Brasil Paralelo sobre 1964