Kevin Carson, mutualista ricardiano
Dando
uma olhada em um fórum
anarquista, em uma das threads em que se discutia as teorias de
Kevin Carson eu vi um comentário muito pertinente que me fez pensar
bastante sobre. Um dos comentaristas afirmava que “Carson está mais para um socialista ricardiano do que para um mutualista proudhoniano”.
Faz sentido! Embora não 100% acurada, essa frase expressa boa parte
das teorias econômicas e políticas carsonistas. Levando em
consideração que Carson segue a tradição anarquista
individualista americana, isto é, onde seus propagadores se apoiam
em bases mutualistas (abolição da propriedade privada, sociedades
horizontais, solidarismo, etc), porém almejando uma sociedade bem
diferente das comunidades federalizadas e cooperativadas do
mutualismo clássico de Pierre Proudhon, de certo modo
soa estranho colocar os individualistas americanos e mutualistas clássicos como algo quase que único.
Embora
Proudhon fosse pró-mercado, ele nunca defendeu algo como "socialismo de livre mercado" ou "anarquismo de mercado de esquerda" proposto pelos
individualistas americanos, especialmente entre os contemporâneos. A visão de uma sociedade baseada em
pequenos produtores e trabalhadores autônomos por meio de uma
economia de mercado liberto de privilégios, numa relação de
comércio mais pessoal possível (reflexo também do individualismo
filosófico adotado), vem a calhar com todo o enfoque que Carson dá
à sua teoria político-econômica. Sua aproximação com pensadores
liberais (tanto da Escola Austríaca quanto de neoclássicos) faz-nos
lembrar da época em que ideias de socialistas ricardianos como
Charles Hall, John Francis Bray e Thomas Hodgskin se entrelaçavam
com ideias liberais.
Especificamente
sobre os socialistas ricardianos, exceto em algumas questões mais
especificas de cada um deles, este grupo pró-mercado
acreditava na ideia de que o valor de equilíbrio de mercadorias se
aproximam do preço do produtor enquanto tais mercadorias estão em
uma oferta elástica, e que o preço do produtor corresponde ao
trabalho incorporado. Assim, lucro, juros e arrendamento não são a
consequências naturais do valor de troca de um livre mercado, mas de
um mercado distorcido. Consequência essa baseada no axioma de que o
trabalho é a fonte de todo o valor, dito tanto por David Ricardo
quanto por Adam Smith.
Por
este modo, os socialistas ricardianos, sobretudo Hodgskin, eram
extremamente favoráveis a uma economia de mercado totalmente liberto
de privilégios. E é seguindo este raciocínio que praticamente toda
a tradição anarquista individualista americana se baseia (assim como Carson).
Alguém poderia argumentar que não faz muito sentido chamar Carson
de Socialista Ricardiano dado que a própria teoria do valor proposta
por ele, por exemplo, está muito mais para Smith do que para Ricardo em certas conclusões.
Bem,
é certo que Carson não se apoia em diretrizes objetivas como o
“tempo de trabalho incorporado” de Ricardo (ou de Marx), mas nas
subjetividades para fundamentar sua teoria (assim como Smith fazia). Contudo, o próprio Hodgskin, o mais conhecido destes
socialistas ricardianos, se apoiava justamente numa versão subjetiva
da Teoria do Valor-trabalho e indo de contra até mesmo a Ricardo.
Então seria ele ”menos ricardiano” por isso? Mais ainda, existe
alguns teóricos contemporâneos que preferem o termo “socialismo
smithiano” ao invés do tradicional “ricardiano” por argumentar
que estes estudiosos antigos devem seus trabalhos muito mais às
análises de Smith do que do próprio Ricardo[1]. Quer dizer, de fato
tudo parece ficar apenas em rótulos que nada diz. E independente
desse rótulo, tanto os socialistas ricardianos quanto os
individualistas americanos focam na ideia de uma economia de mercado
verdadeiramente livre.
O
próprio fundador do anarquismo individualista americano, Josiah
Warren, já incorporava mecanismos subjetivistas na teoria do valor
antes mesmo da Revolução Marginalista ter acontecido. E Carson
segue tanto estes socialistas quanto individualistas.
Em
suma, as teorias políticas de Carson se aproximam mais de uma relação social pessoal e mercadológica defendida tanto por Thomas Hodgskin e quanto pelos
anarquistas individualistas americanos, do que das relações sociais mais coletivas e comunitaristas de Proudhon. Não dá pra negar que Carson não
seja um mutualista, porém de um mutualismo bem distinto, apegado ao liberalismo clássico, do qual floresceu entre os anarquistas individualistas americanos do século dezenove. Como dito depois
no próprio fórum em questão, de um mutualismo ricardiano.
Nota:
[1]
Thompson,
Noel W. (2002). The
People's Science: The Popular Political Economy of Exploitation and
Crisis 1816-34.
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