Desmistificando a esquerda americana tradicional



Entre grande parte dos brasileiros que costumam acompanhar as andanças políticas dos Estados Unidos, percebo que eles geralmente caem em erros conceituais de teoria política e do próprio cenário político americano. E isso independe do grupo em qual tal pessoa se identifica. Por isso resolvi elucidar alguns pontos importantes sobre o tema, mas sem aprofundar neles. Ser simples, porém objetivo.

Dentro do cenário político americano os dois maiores grupos são dos conservatives e dos liberals. O Partido Republicano, de direita, defendendo os interesses dos conservatives e o Partido Democrata, de esquerda, defendendo os interesses dos liberals. Porém há subgrupos dentro dos próprios partidos que diferem dos grupos majoritários mencionados. Irei mencioná-los depois com foco na esquerda.

Os liberals não são e não devem ser confundidos com o que chamamos no Brasil de "liberal" (ou às vezes, liberal clássico), que são os defensores da livre concorrência e de um estado mais limitado em suas ações. O equivalente ao liberal por lá é chamado de libertarian (em alguns livros pode-se encontrar os termos classical liberal ou market liberal) e também não deve ser confundido com o "libertário" em seu sentido tradicional, defensor do anarquismo político. O libertarian tende a estar mais inclinado ao cenário político da direita, como sendo representado por grupos internos do Partido Republicano ou pelo Partido Libertariano.

Continuando, os liberals defendem o que na Europa é chamado de "liberalismo social", um tipo de liberalismo mais atrelado à tradição francesa. Assim como seus "primos" libertarians, os liberals defendem a democracia liberal, o sistema republicano americano, o estado de direito e a economia de mercado. Contudo, os primeiros são mais críticos às ideias dos libertarians sobre o absolutismo da propriedade privada, da liberdade econômica irrestrita e da aceitação das desigualdades sociais. Por este modo, defendem um papel mais ativo do estado para intervir quando assim achar necessário sem, no entanto, interferir na própria existência da economia capitalista e nas liberdades civis da população. Por exemplo, a legalização do casamento igualitário entre os sexos e o fornecimento de benefícios assistenciais para os mais fragilizados economicamente como auxílio-desemprego, bolsa de estudos, etc. Um bom exemplo disso pode ser encontrado na época que se colocou em prática políticas econômicas contra a crise de 1929 na época da Grande Depressão.

Muitos brasileiros que se identificam com políticas direitistas, sejam elas liberais ou conservadoras, olham este tipo de esquerda como equivalente à nossa esquerda tradicional, baseada entre a terceira via ou na social-democracia clássica. Isso é um erro! Não existe um grande representante equivalente no cenário político brasileiro das ideias dos liberals. Este grupo é bem específico da tradição anglo-saxônica.
No Reino Unido, por exemplo, isso é mais fácil de perceber. Defensores das ideias dos liberals americanos em terras britânicas são representandos pelo Partido Liberal-Democrata. Já defensores britânicos da social-democracia estão mais atrelados ao Partido Trabalhista.

Mas os social-democratas americanos também estão presentes no cenário político de seu país, embora em número um pouco menor. Geralmente eles são chamados de left-liberals e constituem um grupo bastante representativo dentro do Partido Democrata. Left-liberals tendem a os apoiar o sistema escandinavo de gestão pública, em que defendem o fornecimento e universalização de serviços estatais como saúde, educação e previdência, assim como os programa assistenciais defendido pelos liberalsE assim como seus companheiros liberals, left-liberals também defendem o estado de direito, o constitucionalismo e compartilham de uma visão de sociedade ainda mais progressista. Estes apoiam políticas de imigração mais tolerantes, tendem a ser avessos às políticas bélicas no exterior e geralmente são mais críticos que os liberals quanto ao papel das corporações na economia.

Mas perceba a diferença. Os left-liberals podem desejar que o estado ofereça uma rede de saúde universalizada para todos, sem distinção de classe e sem atuação do poder privado nesta área. Com os liberals tais políticas soam diferenciadas e não possuem um apelo único entre seus apoiadores: alguns podem defender um sistema estatal de rede de saúde, contudo não retirando o papel das empresas privadas no setor, e outros nem mesmo isso, preferem excluir a ideia de uma rede de saúde estatal, mas apoiando programas assistenciais concedidos pelo governo como um vale-saúde, algo para ser usado em redes privadas como forma de suprir a demanda das pessoas mais fragilizadas economicamente. Mas isso não quer dizer que os left-liberals defendem que o estado tome conta de toda a vida econômica. Não, eles não defendem uma economia do tipo soviética.

Ao se falar sobre a esquerda política americana é bom evitar certas comparações com a nossa realidade política. Não dá para enquadrá-los no nosso cenário, uma vez que a própria esquerda deles soaria até mais moderada que a nossa. Tais questões são bem específicas da cultura de cada povo e por isso mesmo devem ser vistas como únicas.

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